Em março de 2022, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou mudança na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) que permitiu, em casos excepcionais, que a autoridade policial determine o afastamento imediato do suposto agressor do domicílio ou do lugar de convivência com a vítima, mesmo sem autorização judicial prévia, quando houver risco à vida ou à integridade da mulher.
O colegiado, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado pela Associação de Magistrados do Brasil (AMB) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6138 para invalidar a norma introduzida na Lei Maria da Penha pela Lei 13.827/2019.
A medida poderá ser implementada pelo delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca (quando o juiz responsável não mora na localidade), ou pelo policial, quando não houver delegado disponível no município no momento da denúncia. Em qualquer hipótese, o juiz deve ser comunicado, em até 24h, para decidir sobre a manutenção ou a revogação da cautelar, com a ciência ao Ministério Público.
Ciclo de violência
No julgamento, a Corte seguiu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. A seu ver, a alteração na lei é uma resposta legislativa adequada e necessária ao rompimento do ciclo de violência doméstica em suas fases mais agudas, amplamente justificável em razão da eventual impossibilidade de obtenção de uma decisão judicial em tempo hábil. Ele ressaltou que a mudança não tirou a última palavra do Poder Judiciário, que tem a prerrogativa de decidir sobre a manutenção ou revogação da medida e sobre a supressão e a reparação de eventuais excessos ou abusos.
Em seu voto, o ministro explicou que, na sua redação original, a Lei Maria da Penha estabelecia medidas protetivas de urgência de cunho estritamente judicial. Os prazos cumulativos de 48 horas para a remessa do expediente ao juiz e mais 48 horas para a decisão sobre as medidas, em muitas situações, era incompatível com a urgência para a adoção de providências eficazes. Por isso, a Lei 13.827/2019 procurou superar “uma grave e séria deficiência na concretização de políticas públicas de erradicação da violência doméstica no Brasil, aumentando, assim, o nível de proteção conferido às mulheres”.
O ministro ressaltou, ainda, o caráter excepcional da medida, que se restringe a contextos de presença judicial insuficiente e visa impedir que mulheres submetidas a violência continuem expostas às hostilidades na privacidade do lar. Ele reforçou que o controle judicial é exercido posteriormente em sua plenitude.
Em relação à alegação de que a norma ofenderia a inviolabilidade do domicílio, o relator lembrou que, independentemente de ordem judicial ou prévio consentimento do morador, o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal admite o ingresso em domicílio alheio nas hipóteses de flagrante delito ou para prestar socorro. Isso inclui a urgência com risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher.
Ranço arcaico
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, a violência contra a mulher representa “um ranço arcaico da nossa sociedade”, cujo enfrentamento se dá tanto em âmbito nacional quanto internacional. Ele frisou que a igualdade de direitos entre homens e mulheres foi reconhecida na Carta das Nações Unidas de 1945 e norteou uma série de outros tratados internacionais sobre o tema, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, de 1993, primeiro instrumento internacional a abordar, de forma expressa e direta, o combate à violência de gênero.
“A casa é o lugar mais perigoso para um enorme percentual de mulheres brasileiras”, afirmou. De acordo com o relator, no Estado de São Paulo, 66% dos feminicídios ocorreram na casa da vítima, e em 97% dos casos elas não tinham medidas protetivas, segundo levantamento do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo.
Agenda 2030
A série de matérias “O STF e os direitos das mulheres” está alinhada com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas.
Leia a íntegra do acórdão do julgamento da ADI 5617
AR/AD//CF