O juiz Gabriel Menna Barreto von Gehlen, da 5ª Vara Federal Cível do Rio Grande do Sul (JFRS), emitiu uma sentença condenando uma associação de médicos e duas empresas do ramo da saúde a pagarem um total de R$ 55 milhões em indenização. O ocorrido ocorreu devido à publicação de um texto em jornais em defesa do chamado “kit covid”, um conjunto de medicamentos que supostamente serviriam como tratamento precoce para a covid-19.
Os condenados foram o Grupo José Alves (GJA Participações), a Vitamedic Farmacêutica (fabricante de medicamentos do kit covid) e a Associação Dignidade Médica de Pernambuco. O texto intitulado “Manifesto pela Vida” foi publicado em jornais de grande circulação em fevereiro de 2021, durante a pandemia de covid-19. Nele, a associação defende a prescrição de um coquetel de medicamentos, incluindo ivermectina, cloroquina e hidroxicloroquina, como forma de prevenir a contaminação pelo vírus e evitar o desenvolvimento da doença.
Durante a CPI da Pandemia, o diretor da Vitamedic admitiu que era a empresa, e não a associação, que financiou a publicação do manifesto nos jornais, no valor de R$ 717 mil. O relatório final da CPI também revelou um aumento significativo no faturamento do fabricante farmacêutico de ivermectina, que passou de cerca de R$ 16 milhões em 2019 para mais de R$ 474 milhões em 2020 e R$ 265 milhões de janeiro a maio de 2021. Estudos científicos subsequentes comprovam a ineficácia desses medicamentos no tratamento da covid-19, além da ameaça à saúde pública representada pela defesa do kit covid.
O juiz considerou que houve propaganda velada e irregular de medicamentos, em violação às regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Citando o relatório final da CPI da Pandemia, o magistrado afirmou que “a publicidade promovida pela associação ré – em conluio com fabricante de ivermectina – incidiu em grave ilicitude sanitária”. Ele também destacou que a associação atuou como “laranja” para os interesses da empresa farmacêutica, violando o valor fundamental da proteção da saúde pública.
A indenização por danos morais coletivos foi estabelecida em R$ 55 milhões, com base na importância da vida e da saúde como bens fundamentais garantidos pela Constituição. O juiz justificou que a publicidade ilícita de medicamentos já representava um abalo à saúde pública, estava a despertar.
No processo, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF-RS) também solicitou que a Anvisa fosse condenada a publicar um alerta à população sobre os riscos do kit covid. No entanto, o juiz recusou esse pedido, considerando que a situação sanitária evoluiu e ao final, ele multou a Vitamedic e o Grupo José Alves, dono da farmacêutica, em R$ 45 milhões, e a Associação Dignidade Médica de Pernambuco em R$ 10 milhões. Cabe recurso à segunda instância da Justiça Federal.
Em sua defesa, a Vitamedic alegou que o patrocínio para a publicação do manifesto não se tratou de propaganda irregular de medicamento, uma vez que a própria Anvisa havia concluído isso. Somente a agência teria competência para analisar a regularidade ou não do texto, defendeu a empresa.
A associação, por sua vez, sustentou no processo que “defende o ‘tratamento precoce” por ser absoluta convicção, dos profissionais que a compõe, que o referido tratamento minimiza a replicação viral e melhora a imunomodulação, trazendo benefícios concretos à saúde e recuperação dos pacientes. “Não há nenhum interesse comercial, econômico ou político, nem tem em seus quadros nenhum expert financiado pela indústria farmacêutica.”