Corumbá, MS – A tranquilidade no bairro Cacimba da Saúde, em Corumbá, cidade na fronteira com a Bolívia e o Paraguai, foi substituída pelo medo constante de onças. Desde a trágica notícia da morte de um caseiro atacado no Pantanal e os avistamentos frequentes desses felinos em áreas urbanas do interior de Mato Grosso do Sul, a vida dos moradores mudou drasticamente.
A comunidade, alvo de campanhas de conscientização sobre como lidar com animais silvestres na cidade, relata viver sob uma onda de temor. O dia a dia é impactado pela presença da vida selvagem, levando os moradores a adotar, por conta própria, uma espécie de “toque de recolher”. A partir das 18h, as ruas do bairro ficam desertas, e ninguém sai de casa até o amanhecer, na tentativa de evitar encontros fatais.
Maria Auxiliadora, pescadora aposentada de 60 anos, contou á reportagem do site Midiamax que, antigamente, a vizinhança costumava passar “tarde da noite” na porta de casa, aproveitando o ar fresco e conversando. Hoje, o cenário é bem diferente.
Ana Maria de Souza, também pescadora aposentada, de 68 anos, relata um episódio que selou a decisão pelo toque de recolher. Um grupo de pessoas estava sentado na calçada, por volta das 20h, quando avistaram uma onça rastejando em direção a eles, com intenção de atacar. “Acabou de escurecer, todo mundo para dentro, porque não pode ficar facilitando, nós não sabemos que hora [podem aparecer]e ela é um bicho que, quando ela quer pegar a presa dela, ela vem mesmo, ela é traiçoeira”, expressa Ana.
Ana destaca que o bairro, antes cheio de crianças brincando na beira do rio, agora as vê com medo de se aproximar. “Hoje já não está mais vindo. Mas antes era o dia inteiro cheio de crianças tomando banho, se divertindo. Hoje têm medo de vim”.
Maria Auxiliadora critica as “soluções” oferecidas pelas autoridades. “Eles trouxeram uma buzina [para os moradores tocarem se avistarem o animal]. Mas como que nós vamos buzinar para esse bicho feroz? A outra falou, ‘quando você vê ele vindo, bate palma’. Quem que vai bater palma, minha filha, para um bicho feroz, um bicho predador desse?”, questiona.
A situação se agrava pela existência de uma horta nas imediações do bairro, onde muitos moradores trabalham. A lida começa às 4h da manhã, ainda no escuro, e a comunidade relata que só resta rezar pela segurança dos trabalhadores. “Às vezes, a gente fala, Deus, olha esse pessoal que vai para a horta essa hora, porque está escuro”, desabafa Maria Auxiliadora.
Ataques a animais domésticos
Ana Maria relata que há relatos de cinco onças avistadas rondando a região, da Capivara até a Baía do Tamengo. Como medida de proteção, a comunidade clama às autoridades pela captura e realocação desses animais para áreas mais afastadas da civilização.
Por enquanto, os principais alvos das onças têm sido os animais domésticos e de criação. “Já comeu cachorro, já comeu os cabritos de outra pessoa que mora lá nos fundos. E na hora que não tiver mais esses bichos? Elas vão vir atacar criança, qualquer animal. Se até galinha elas vêm pegar”, comenta Maria Auxiliadora.
Ela narra que sua filha e genro tiveram uma “visita” da onça em casa. Ao escutarem os cachorros latindo, viram o felino com um dos cães na boca. Sem reação, a filha apenas gritou e não conseguiu salvar o animal de estimação. Após o ocorrido, câmeras de segurança foram instaladas na varanda, flagrando outras aparições da onça na residência.
Infraestrutura precária agrava o medo
Outro dilema enfrentado pelos moradores é a falta de infraestrutura no bairro. As ruas são muito escuras e poucas dispõem de iluminação pública. Maria Auxiliadora, que nasceu e cresceu em fazenda, conhece os perigos de encontrar uma onça e opina que as autoridades devem tomar providências urgentes em relação à segurança dos moradores.
“A gente pede iluminação, [porque]esses postes aí não tem luz. A gente tem que estar colocando lâmpada, [quando estraga]a gente arruma. Queremos melhoria no bairro, tem que fazer alguma coisa, porque nós também somos cidadãos e também precisamos”, reivindica.
Quando o sol se põe, Ana Maria reforça que o bairro fica um breu, o que aumenta o risco para os moradores. “Isso não pode acontecer dentro da cidade. Hoje nós convivemos com esses animais, e a onça é um animal pedra dura, ela não respeita”, alerta a moradora.
Fonte Midiamax